My Foolish Heart
1989
Só por ser o último disco de Nara Leão, este "My Foolish Heart" já tinha garantido seu lugar na
história. Mas ele é mais que só o último LP de uma das mais importantes cantoras que o país produziu nos últimos 30 anos. Gravado
no Rio com o amigo Roberto Menescal, como encomenda da Polygram no Japão, "My Foolish Heart" apresenta versões para o português de
um repertório com 14 canções de um dos melhores períodos da música norte-americana - os anos 50. E genialmente comprova que o
coração de Nara Leão sempre foi louco por música brasileira.
Nara tinha o bom hábito de apontar caminhos. É importante dissociá-la, por exemplo, da bossa-nova. Muitos dos clássicos do gênero
que saiu do Brasil para correr mundo estarão para sempre ligados à sua voz. Não foi musa do movimento por acaso. Mas Nara tinha
também um coração inquieto. Por isso mesmo, quando todo mundo voltou-se para as canções de amor, do sorriso e da flor, Nara subiu
morros para descobrir o samba de protesto. E logo depois tornou-se superstar com A Banda, de Chico Buarque. E quando a supostamente
genuína música brasileira travou guerras com a guitarra elétrica, a musa do protesto, a musa da bossa-nova, a dona do par de joelhos
mais bonitos do país, ousou ir para a televisão cantar Lennon e McCartney.
Era impossível ser fã de Nara Leão e ter ouvidos acomodados. Num disco, ela revelava os talentos de Chico Buarque e Sidney Miller.
No seguinte, gravava canções de ninar. Num LP, revestia com arranjos de bom gosto o repertório de Roberto e Erasmo Carlos que a elite
musical desprezava. No outro, juntava só compositores nordestinos contemporâneos. “My Foolish Heart” fecha o ciclo desta carreira única.
Muitas das canções que Nara imortalizou no período da bossa-nova, com sua voz aparentemente frágil e inegavelmente afinada, ficaram
conhecidas do planeta em versões para o inglês na interpretação de celebridades norte-americanas. O último disco de Nara Leão dá o troco.
Agora é a vez de músicas de Ira & George Gershwin, de Rodgers & Hart, de Cole Porter e de outros monstros sagrados da música dos Estados
Unidos serem vertidas para o afinado e bom português de Nara Leão. Ela e Menescal transformaram tudo em bossa-nova.
O resultado é uma delícia. Mas, como sempre, não serve para ouvidos acomodados. “My Foolish Heart” dá continuidade ao LP anterior de Nara
e Menescal, Meus Sonhos Dourados. Daquela vez, a dupla verteu para o português o repertório que ouvia nos cinemas nos tempos de
adolescência. Tea for two, Over the rainbow... Agora, a escolha foi dos japoneses e a seleção é mais radical. Ouvidos menos abertos aos
rumos sempre surpreendentes de Nara certamente vão rejeitar a transformação de My funny valentine, de Rodgers & Hart, em Adeus no cais;
ou de Night and day, de Cole Porter, em Só você, ou ainda de Smoke gets in your eyes, de O. Harbach & Jerome Kern, em Fumaça nos olhos.
É puro preconceito. Ou nesta altura do campeonato alguém ainda duvidaria do bom gosto de Nara Leão?
“My Foolish Heart” foi gravado no início do ano no estúdio de Roberto Menescal, no Rio, com os músicos Luís Avelar (teclados), Jacaré
(baixo), Rubinho (bateria), Barney (percussão) e o próprio Menescal no violão. Todas as versões são de Nara e de Nelson Motta. Com exceção
para Alguém que olhe por mim (Someone to watch over me, de George & Ira Gershwin), que é assinada por Zé Rodrix e Miguel Paiva. No disco
brasileiro, há uma canção a menos que no lançado no Japão. Lá, Nara também canta a inédita Saudade de Você, com música de Menescal e letra
da própria Nara, feita para ser jingle de uma cerveja que patrocinaria a excursão que a cantora faria pelo Japão, em outubro. A música deverá
estar numa compilação só com músicas gravadas por Nara, que Menescal prepara para janeiro. O título do novo disco já está escolhido: “Saudades
de Você”.
No final das gravações de “My Foolish Heart”, Nara já estava doente e teve dificuldade de botar voz em algumas faixas. Não dá para perceber.
Como em todas as suas gravações, sua voz aparece limpa, detalhista, amorosa. Este “My Foolish Heart” é para deixar o coração dos fãs de Nara Leão
loucos de saudade.
Por Artur Xexéo, outubro de 1989